O poder da memória (excerto)





(...) dirijo-me para (...) os vastos palácios da memória, onde estão tesouros de inumeráveis imagens veiculadas por toda a espécie de coisas que se sentiram. Aí está escondido também tudo aquilo que pensamos, quer aumentando, quer diminuindo, quer variando de qualquer modo que seja as coisas que os sentidos atingiram, e ainda tudo aquilo que lhe tenha sido confiado, e nela depositado, e que o esquecimento ainda não absorveu nem sepultou. Quando aí estou, peço que me seja apresentado aquilo que quero: umas coisas surgem imediatamente; outras são procuradas durante mais tempo e são arrancadas dos mais secretos escaninhos; outras, ainda, precipitam-se em tropel e, quando uma é pedida e procurada, elas saltam para o meio como que dizendo: ‘Será que somos nós?’ E eu afasto-as da face da minha lembrança, com a mão do coração, até que fique claro aquilo que eu quero e, dos seus escaninhos, compareça na minha presença. Outras coisas há que, com facilidade e em sucessão ordenada, se apresentam tal como são chamadas, e as que as vêm antes cedem lugar às que vêm depois, e, cedendo-o, escondem-se, para reaparecerem de novo quando eu quiser. Tudo isto acontece quando conto alguma coisa de memória. (...)


SANTO AGOSTINHO
Confissões, Livro X


tradução - Arnaldo do Espírito Santo, João Beato, Maria Cristina Castro-Maia de Sousa Pimentel

voz - Cristina Paiva

música - Daniel Maze

sonoplastia - Fernando Ladeira

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