Os teclados (excerto)




(...)Tudo ficava suspenso, no vazio. E depois o som acontecia: a chuva, o vento, o mar. O vento nas folhas, no caminho de terra, nos telhados, na chuva. Agora (...) ouvia a chuva, as formas fugidias da água. (...)
Gostava de vaguear (...), ouvindo o que havia para ouvir – buzinas de carros, vozes, motores, barulho de oficinas, pancadas mecânicas, chapas de metal zunindo, portas batendo, passos de pessoas na calçada. Por vezes música articulada, no meio dos sons: o canto alto de um pregão atirado ao ar, um trilo de pássaro, o assobio do amolador de tesouras, o acordeão de um cego numa esquina.
Mas tudo o resto – buzinas, vozes, sirenes, máquinas, - podia ser também uma forma de música. E mesmo o silêncio fazia parte de ouvir – o silêncio entre uma coisa e outra, a respiração ou a pausa, antes que outra coisa acontecesse.
Ouvir era deixar o mundo entrar em si. (...)

TEOLINDA GERSÃO
Os teclados

voz - Cristina Paiva

música - Wolfgang Amadeus Mozart

sonoplastia - Fernando Ladeira

do espectáculo A de Mozart

Sem comentários:

Enviar um comentário